A Fábrica de Milionários
De padaria a mergulho submarino, deputados federais enchem as calças de empresas com verba de Divulgação, e ainda sustentam sites de notícias locais para darem as parenças do que não são em Brasília.
Por Francisco Araújo – Da Embaixada em Brasília
Deputados do Acre utilizaram a verba de divulgação de atividade parlamentar para contratar uma empresa de fabricação de pães em Brasília. Outro incluiu nota fiscal de comércio varejista de ferragens, madeira e materiais de construção, enquanto outro optou por uma empresa de mergulhos submarinos.
Antônia Lúcia (Republicanos-AC) é o caso mais emblemático. Ingressou na Câmara com uma nota fiscal de R$ 35 mil, no dia 4 de dezembro, fornecida pela empresa Teles Brazil Ltda, cuja atividade principal é a fabricação de pães e confeitaria. Com esse valor, é possível comprar 2.545,45 quilos de pães francês em Rio Branco (AC).
A Pão de Queijo ‘Vó Jandira’, no Guará, cidade-satélite de Brasília, além de fabricar pães, oferece bufês, organiza eventos e atua como agência de publicidade.
A Resolução 43, de 2009, da Câmara dos Deputados, disciplina os serviços que podem ser considerados divulgação de atividade parlamentar. Contratar uma padaria que também atua como agência de publicidade pode ser permitido, desde que a contratação esteja diretamente relacionada à divulgação da atividade parlamentar.
Outro fato curioso é a relação de Antônia Lúcia com a ON-Z Impressão, Divulgação & Marketing Digital. A empresa surgiu em 9 de março de 2023, com capital social de R$ 25 mil, e tem como sócio – administrador Wilmar Alves, fundador da Exittus Adm de Consórcios e Serviços Financeiros. No endereço registrado na Cidade Estrutural, periferia de Brasília, não funciona nenhuma gráfica.
Compulsando as notas do gabinete de Antônia Lúcia, verifica-se que, menos de dois meses após fundada, a ON-Z Marketing passou a emitir notas de serviços. Entre maio e novembro de 2023, faturou R$ 102.606,00, um lucro de 310,42% em relação ao seu capital social. Em 2024, a ON-Z embolsou R$ 114.558,40, equivalente a 33,06% dos R$ 347.218,40 gastos com divulgação pela deputada.
Gastos inusitados
Antônia Lúcia não é a única que usou a verba de divulgação parlamentar em gastos inusitados. Meire Serafim (União-AC) gastou R$ 47.500 (22,70% da verba de divulgação) com filmagens submarinas de Edney Drone. Socorro Neri (PP-AC) gastou R$ 9.000,00 com uma empresa de ferragens, madeiras e construção, a Criativa Eletero, com CNPJ de Brasiléia (AC). A Resolução 43 da Câmara não proíbe algumas atividades para cumprimento do exercício do mandato.
No caso de Meire, a despesa só seria justificada se relacionada ao mandato. Como Meire é de Sena Madureira, próxima aos rios Yaco e Macauã, pode ser justificável na época em que o rio estiver caudaloso. Quanto à despesa de Neri, a Resolução é subjetiva; não especifica quais itens podem ser comprados com a verba de divulgação.
Socorro ainda contratou a Cetro Consultoria Ltda, empresa de consultoria sediada em Rio Branco (AC), pagando R$ 75 mil. A Resolução 43 da Câmara permite a contratação de consultorias técnicas, desde que relacionadas às atividades do mandato.
A Cetro é registrada na Receita Federal com o CNPJ 49.177.175/0001-68. Atua em gestão ambiental, empresarial, relações públicas, assessoria de crédito, comunicação, gestão hospitalar, hipotecária, consultoria hipotecária e agropecuária, econômica, entre outros ramos. Dados da Receita indicam que a empresa é situada na Rua Jatobá, 307, Loteamento Novo Horizonte, em Rio Branco (AC).
A empresa tem como sócio – administrador Rezene de Souza Lima Filho, parente próximo do governador do Acre, Gladson de Lima Cameli. Rezene também tem parentesco com Reryel Lopes de Lima, lotado no gabinete de Socorro Neri como CNE-10 (Cargo de Natureza Especial), com salário de R$ 9.678,23 brutos, desde 3 de março de 2023. Os CNE são destinados à prestação de assessoria aos órgãos políticos e administrativos da Casa
Reryel tem como uma das atribuições incluir as notas de gastos do gabinete de Socorro no sistema de pagamentos da Câmara dos Deputados.
Resolução abre brechas para corrupção
A Resolução 43 elenca serviços que podem ser enquadrados como divulgação da atividade parlamentar e pagos com o cotão, de R$ 175.904,96, por deputado do Acre. O texto da Resolução é vago em vários aspectos. Quando fala em consultorias, deixa brechas para a prática de corrupção. Diz que o deputado pode contratar consultorias técnicas relacionadas à atividade parlamentar, mas não as limita. Assim, o deputado pode até contratar uma consultoria da NASA, obrigando a Câmara a pagá-la com a verba de divulgação da atividade parlamentar.
Dentre as despesas permitidas estão passagens aéreas, telefonia, manutenção de escritórios parlamentares (locação de imóveis, condomínio, IPTU, etc.), serviços de energia elétrica, água e esgoto, seguro contra incêndio, acesso à internet, TV a cabo, compra de material de expediente e suprimentos de informática, fretamento de aeronaves e veículos, além da divulgação da atividade parlamentar.
Além de permitir uma gama de serviços, a Resolução 43 da Câmara possibilita o uso de ma – fé da verba de divulgação (ou de qualquer outra despesa) por parte dos deputados. Após receber a nota fiscal, o deputado é ressarcido na conta pessoal com o valor da nota de serviço inserida no sistema da Câmara. Daí ele repassa o valor ao ao prestador de serviço quando quiser (ou se quiser). Tudo isso porque as notas fiscais são contraprestação de serviços.
Quem mais embolsou dinheiro da Câmara
A reportagem averiguou todas as notas fiscais emitidas para ressarcimento de serviços prestados por empresas de comunicação, marketing e afins do Acre e de outros estados brasileiros aos gabinetes dos oito deputados federais do Acre em 2024. As informações estão no portal da transparência da Câmara no perfil individual de cada deputado.
Dos sites do Acre, os que mais receberam dinheiro dos deputados federais foram Ac24 Horas (R$ 325 mil), AcreNews (R$ 36,1 mil) e Agência Contilnet (R$ 28 mil). Atualmente, a imprensa do Acre não possui nenhum jornal impresso (exceto o Diário Oficial do Acre, impresso numa gráfica particular, quando circula).
O valor pago aos três sites acima seria suficiente para bancar o piso salarial de 129 jornalistas no Acre durante um mês (o piso atual é de R$ 1.813,08), ou pagar 239,49 salários mínimos.
Outras empresas também foram bem aquinhoadas com verba pública: R.S. Ferreira Ribeiro – ME (R$ 135 mil), F. Almeida da Silva (R$ 92,2 mil), Águas Claras Mídia Comunicação e Eventos Ltda – ME (R$ 79,2 mil), Cetro Consultoria (R$ 75 mil), Duan de Souza Soares – ME (R$ 60 mil), J.R. Basile Publicidade (R$ 58 mil), Edney Drone (R$ 47,5 mil), Foca La Comunicação e Design (R$ 36 mil) e Souzacre Agência de Publicidade Ltda (R$ 35 mil).